Ismael Aversari Jr., advogado atuante em Responsabilidade Civil Médica do Cunha Ferraz Advogados. Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo

A imprensa frequentemente divulga informações sobre o chamado “erro médico”, com dados cada vez mais alarmantes, refletidos em estatísticas sérias, inclusive do Conselho Nacional de Justiça. Segundo aquele órgão, teriam sido  70 mil processos apenas em 2017, três por hora, no Brasil. Em termos percentuais, mais médicos respondem por erro médico aqui que nos EUA. A realidade está posta. O que fazer com ela?

O erro médico, ou seja, a falha na prestação de serviços médicos que causa danos, é apenas um dos dramas enfrentados pela população no acesso à saúde, que é direito de todos e dever do Estado, conforme artigo 196 da Constituição Federal. Dever ser cumprido mediante políticas sociais e econômicas. Ou seja, mais que trabalhar no varejo, o Estado deve trabalhar no atacado.

Causa importante do erro médico está na deficiência técnica, que passa necessariamente pela queda de qualidade do ensino médico no Brasil. Maus médicos tendem a prestar maus serviços, prejudicando a imagem de toda a classe médica, despertando a desconfiança geral e estimulando o ajuizamento de processos, muitas vezes sem razão.

O Brasil precisa de médicos que salvem. Atualmente, existem 341 escolas de Medicina no país, entre públicas e privadas, sendo que estas representam 58,65% do todo. As vagas no primeiro ano totalizam 35.288. Se 70% de todos os matriculados se formarem,  24.701 novos médicos entrarão no mercado, para se juntar aos 440.000 em atividade.Nesse universo, quantos profissionais estariam efetivamente qualificados para atuar? Impossível saber. 
Além disso, a baixa remuneração muitas vezes obriga ao profissional médico cumprir uma carga excessiva de horas de trabalho que, necessariamente, coloca em risco a atuação profissional, mesmo de um médico preparado e responsável, em atividades simples e muito mais nas complexas.

Há muito a aura mística do exercício da Medicina se foi, como também a prestação de serviços médicos personalizada. Os “médicos de família” hoje são raros. O atendimento, por regra, vem de um desconhecido, exceto pelo que consta dele na internet, que também informa sobre doenças, tratamentos, vez por outra colocando os profissionais de saúde em xeque, perplexos com o conhecimento do paciente.

Se o Estado tem o dever de promover a saúde, no atacado e no varejo,  uma boa política social seria assegurar a qualidade dos cursos de Medicina no Brasil, ponto de partida para um serviço médico de qualidade. E, ainda, medida eficaz na proteção da imagem da própria classe médica que, felizmente, ainda é integrada preponderantemente por médicos preparados e sérios. Um exame de qualificação para a carreira de médico, como o dos advogados, pode ser um bom começo e não vai assustar quem realmente sabe.

No mais, cumpre ao Estado criar uma estrutura de prestação de serviços de saúde com remuneração justa e os equipamentos minimamente necessários. Se os políticos necessariamente fossem atendidos por serviços médicos públicos, estes certamente melhorariam muito. 

Nada disso é simples, pois devem integrar políticas a serem empreendidas ao longo de anos. O que não se pode é focar na consequência, “erro médico”, sem discutir antes suas causas.  E elas serão objeto de novos comentários.