Comentamos em texto anterior (confira aqui) que o advento da Lei nº 13.097/15 trouxe mudanças benéficas relacionadas à segurança jurídica das transações de bens imóveis pela impossibilidade de valer dos atos jurídicos não inscritos na matrícula imobiliária para se opor aos negócios que modifiquem, constituam ou transfiram direitos reias sobre a propriedade imóvel.

 

A intenção do legislador ao editar essa lei, foi justamente o de salvaguardar os direitos do adquirente de boa-fé, contra eventuais riscos relacionados ao negócio imobiliário, mediante a verificação da certidão da matrícula expedida pelo registro de imóveis competente, pois (quase) todos os atos jurídicos que envolvam o imóvel devem ser ali registrados ou averbados. Tudo isso veio a lume homenageando o princípio da publicidade própria do direito registral e imobiliário, consolidando a interpretação do Superior Tribunal de Justiça[i] retratada pela Súmula nº 375[ii].

 

Apesar dessa “inoponibilidade” dos atos jurídicos sem inscrição na matrícula imobiliária não ser novidade no ordenamento jurídico, porquanto presente em diversos dispositivos esparsos[iii], só o fato de a Lei nº 13.097/15 explicitar os efeitos que acontecem com a falta dessa anotação[iv] é o suficiente para modificar a cultura hoje predominante no Poder Judiciário.

 

Se antes dessa lei o viés era de proteção do credor, após a sua promulgação, a proteção passou a ser do adquirente de boa-fé. Ou seja, para o legislador a demonstração de boa-fé do adquirente estaria na análise da certidão da matrícula atualizada do imóvel, ressalvadas as situações de débito fiscal inscrito em dívida ativa, usucapião e/ou falência.

 

Mas a essa não a única medida instituída pela Lei nº 13.097/15 objetivando aperfeiçoar a segurança jurídica das transações imobiliárias.

 

Além das disposições sobre a chamada “concentração de atos na matrícula”, o legislador criou um novo regime de proteção aos adquirentes de bem imóvel quando estes forem integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício.

 

Pela norma do art. 55 da lei em comento, não poderá ser objeto de evicção ou declaração de ineficácia a alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício que estejam devidamente registradas no Cartório de Registro de Imóveis.

 

Isso significa dizer que, apesar desses imóveis pertencerem, num primeiro momento, à incorporadora, eles não responderão, nos termos do art. 789 do CPC, pelas suas dívidas[v].

 

A adoção desse tipo de medida pelo legislador foi de extrema felicidade porque prestigia a garantia constitucional de moradia, a função social do contrato e o objetivo maior dos empreendimentos imobiliários residenciais: a mitigação, ou até mesmo a erradicação, do deficit habitacional existente no país[vi].

 

Medidas governamentais de fomento ao crédito imobiliário para produção e aquisição de unidades imobiliárias, a estabilização da economia e o aumento da renda familiar propiciaram um ambiente favorável para viabilizar a conquista do sonho da casa própria pelo indivíduo e a interpretação distorcida de alguns dispositivos legais estavam se tornando odioso obstáculo dessa conquista.

 

Tudo porque são numerosos os casos em que decisões judiciais declararam a ineficácia da alienação desses bens, que diga-se é o objeto dessas empresas, determinando a sua penhora e consequente alienação em hasta pública, sob o argumento de que esses imóveis foram vendidos em fraude à execução. Veja que decisões como estas se assemelham a declarar ineficaz a venda de produtos por um supermercado ao seu consumidor, para garantir as dívidas daquele.

 

Apenas a título exemplificativo, recente decisão judicial tornou ineficaz a venda de uma unidade autônoma imobiliária pela incorporadora, porque ela teria se desfeito dos seus bens passíveis de penhora “muito tempo depois”[vii] do ajuizamento de uma ação, tudo em grave violação aos direitos e garantias constitucionalmente assegurados à propriedade e ao devido processo legal, como também aos dispositivos de regência da fraude a execução e à orientação interpretativa dada pela Súmula nº 375 do Superior Tribunal de Justiça, prejudicando tão somente aquele que tanto batalhou para a realização de um sonho, o adquirente de boa-fé.

 

Aliada à concentração dos atos na matrícula e aos novos ditames do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) que reproduziu a necessidade de apontamento de atos jurídicos de credores na matrícula imobiliária para que seja caracterizada a fraude à execução, essa regra certamente trará mais segurança na operação final do mercado imobiliário de venda dos imóveis produzidos, mas não dispensará o cuidado que sempre esteve presente nas operações imobiliárias e a consulta a um profissional habilitado, porque essas medidas não são capazes de entregar a completa segurança jurídica que se pretende alcançar.

 

 [i] Órgão competente para dirimir questões interpretativas de legislação infraconstitucional.

 

[ii] O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. (Súmula 375, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/03/2009, DJe 30/03/2009)

 

[iii] Vide art. 169 da Lei 6.015 e arts. 593, 615-A, §3º; 659, §4º; 722, §1º todos do CPC/73, vigente à época da promulgação da Lei nº 13.097/15 e arts. 792, 828, §4º; e 884 do CPC vigente.

 

[iv] Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: [omissis]

 

[v] Art. 786.  A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível consubstanciada em título executivo.

 

[vi] Dados estatísticos sobre o Déficit Habitacional Brasileiro segundo a Fundação João Pinheiro em parceria com o Ministério das Cidades, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), apontam que em 2012 o déficit habitacional era de aproximadamente 5.430.562 unidades habitacionais.

 

Visto em http://www.cbicdados.com.br/menu/deficit-habitacional/deficit-habitacional-no-brasil

 

[vii] Ainda, conforme o art. 593, inciso II, do CPC, configura-se a fraude à execução quando, ao tempo da alienação ou da oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, o que ocorreu no caso em tela, tendo em vista que os executados se desfizeram dos bens passíveis de penhora muito tempo depois do ajuizamento da presente ação. (trecho extraído da sentença proferida em 18/03/2015 nos embargos de terceiro nº 0042292-46.2013.8.26.0001, 4ª Vara Cível do Foro Regional de Santana/SP).

 

 

 

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