Como é sabido, a atividade empresarial no Brasil sempre implicou vários riscos, tudo por força da álea do comércio. A intenção de alcançar o sucesso, o reconhecimento da atividade e, acima de tudo, o lucro, o empresário individual correr riscos que de tal monta que, o fim acaba sendo um só: A sua ruína.

 

Dada à situação em que se põe hoje a regulamentação da atividade empresarial, é certo que na maioria dos casos a crise enfrentada pelo empresário arraste não só o patrimônio da empresa, mas também o do próprio empresário, afetando diretamente a sua família.

 

Isso porque o empresário individual, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses enumeradas no rol do artigo 44 do Código Civil, faz com que seu patrimônio pessoal responda solidaria e ilimitadamente pelos débitos concernentes às atividades comerciais por ele desenvolvidas.

 

Pois bem. A fim de preencher a lacuna legislativa em que se encontrava o empresário individual, promulgou-se a Lei nº 12.441/11, criando no direito brasileiro uma nova figura: a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, a EIRELI.

 

Por esse instituto permite-se ao empresário individual constituir um verdadeiro “patrimônio de afetação”, capaz de fazer frente a eventuais dívidas oriundas de sua atividade.

 

Contudo, passado um ano de sua promulgação, não faltam críticas pesadas à sua instituição. Embora sua criação tenha se mostrado uma evolução do direito empresarial brasileiro, sua estrutura não fez jus a esse avanço, o que colocou a EIRELI num ponto obscuro entre a sociedade unipessoal (como a subsidiária integral da Lei nº 6.404/76) e o modelo português utilizado como paradigma para a criação da EIRELI.

 

É importante esclarecer que, há pelo menos 25 anos, Portugal criou a figura jurídica do Estabelecimento Mercantil Individual de Responsabilidade Limitada, previsto no Decreto-Lei nº 285/86, ainda em vigor naquele país. Grande discussão se assentou acerca do modelo português, especialmente em torno de sua constituição, se seria efetuada na forma de pessoa jurídica ou ter como ponto de referência a ideia de patrimônio autônomo ou de afetação especial.

 

De acordo com a Exposição de Motivos do mencionado Decreto-Lei, os legisladores portugueses preferiram a criação de um expediente técnico legal que proporcionasse ao comerciante em nome individual destacar uma parcela de seu patrimônio, a fim de designá-la ao exercício de sua atividade mercantil, deixando de lado a opção de se estabelecer uma sociedade unipessoal.

 

Observando-se a Lei nº 12.441/11, tem-se que, com a EIRELI criou nova modalidade de pessoa jurídica, ao ser incluída no rol taxativo do artigo 44 do Código Civil, que trata das pessoas jurídicas de direito privado. Ora, tal inclusão, nos dá a aparente opção do legislador em colocar a EIRELI fora do campo das sociedades, relacionadas naquele artigo sob o inciso II. Curioso notar, porém, quando o legislador tratou do nome empresarial, no §1º do artigo 980-A, possibilitou ao interessado a opção em favor da “firma ou a denominação social”, fazendo com que pairassem dúvidas acerca da real opção do legislador. Isso porque a chamada “denominação social” relaciona-se tão somente às sociedades.

 

Por outro lado, a EIRELI possui uma personalidade jurídica atípica, pertencente a um único titular, e seu patrimônio, como dito, é destacado do patrimônio pessoal do empresário. É o núcleo exclusivo da responsabilidade perante os credores, que decorre do exercício da atividade empresarial. Em razão de sua constituição ser feita por apenas uma pessoa, titular da totalidade do seu capital social, (obrigatoriamente integralizado), o legislador estipulou, no caput do artigo 980-A, um capital inicial mínimo, que não poderá ser inferior a 100 (cem) vezes o salário mínimo vigente à época de sua criação. Na data da promulgação da lei em questão, portanto, o capital mínimo para constituir uma EIRELI era de R$54.500,00, ao passo que hoje, o capital a ser integralizado deverá ser de R$ 62.200,00. Se compararmos com o modelo português, o capital mínimo para instituição do Estabelecimento Mercantil Individual de Responsabilidade Limitada é de € 5.000 (aproximadamente onze mil reais), bem abaixo do similar brasileiro.

 

Tal comparação nos permite concluir que, embora criada para possibilitar aos empresários regularizarem sua situação à margem da informalidade, bem como proteger parte de seu patrimônio, a exigência de integralização de um capital mínimo em valor extremamente elevado para os padrões brasileiros, uma parcela substancial dos microempresários  ficou à margem do novo regime, ou seja, ainda sob a égide do regime geral de responsabilidade pessoal ilimitada, bem como do risco correspondente. Comparando com a sociedade limitada, esta não estabelece nenhum valor mínimo de capital a ser integralizado para sua constituição.

 

Ainda nessa seara, a opção do legislador em fixar o capital mínimo a ser integralizado, atrelando-o ao valor do salário mínimo vigente, gera dúvidas quanto à necessidade de se aumentar o capital cada vez que houver alteração do valor do salário mínimo.

 

Entendemos que, em razão do silêncio da lei em regulamentar tal situação, assim como de o ato de integralização do capital da EIRELI  ser derivado de sua constituição, uma vez integralizado, o empresário não poderá ser compelido à realizar aportes de aumento de capital a cada vez que haja alteração do salário mínimo, especialmente pela proibição constitucional de vinculação do salário mínimo como forma de correção monetária.

 

A EIRELI, como visto, precisa de ajustes na sua legislação, que não podem demorar a ocorrer, em virtude do dinamismo da atividade empresarial, já que a sua criação veio possibilitar novas oportunidades de negócios e, principalmente, tirar da  sombra aquele empresário que exerce sua atividade de forma irregular possa, contribuir para o crescimento da nossa economia.

 

 

 

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