Ao contrário dos particulares, contra quem se pode exigir praticamente de imediato o pagamento de quantia decorrente de condenação judicial, o mesmo não ocorre com os entes públicos que não podem dispor dos recursos públicos, a qualquer momento e de forma discricionária, mesmo que para quitar seus débitos judiciais com terceiros. Por lei, Municípios, Estados e a União, assim como autarquias e fundações se submetem ao regime dos precatórios, que são requisições de pagamento emitidas pelo Poder Judiciário em decorrência de decisões transitadas em julgado, isto é, definitivas, de condenação do Poder Público a pagar determinada quantia a outra parte.

 

Nesse regime, uma vez apurado definitivamente o valor devido pelo órgão público, o precatório é emitido pelo Presidente do Tribunal onde tramitou a causa e destinado ao órgão para previsão no orçamento e pagamento. Uma vez emitido, o Tribunal passa a gerir esse precatório através de processo próprio, mantendo um controle juntamente com os demais que aguardam pagamento, a fim de que obedeçam uma ordem cronológica e de preferência de pagamento, considerando a data de entrada desses precatórios e previsão orçamentária, assim como de preferência no pagamento, conforme a natureza da dívida, alimentar ou comum, e a condição do recebedor (idoso, portador de doença grave).

 

Não obstante haja previsão constitucional (artigo 100, CF) acerca da emissão, do procedimento e prazo para quitação dos precatórios, a realidade denuncia um quadro vergonhoso de atraso de chegam a 10, 15 anos nesses pagamentos, praticada por quase a integralidade dos entes públicos das três esferas (Federal, Estadual e Municipal). Para se ter uma ideia, há 4 anos, juntos, acumulavam nada menos que R$97,3 bilhões em precatórios não pagos.

 

Nos últimos anos, através da promulgação de três Emendas Constitucionais, a de nº 62, de 2009, de nº 94, de 2016 e nº 99, de 2017, implementou-se diferentes regimes de pagamento e outras medidas a fim de tentar agilizar os pagamentos e melhorar a situação desse quadro (artigos 97, 101/105, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias). Uma dessas mudanças foi a imposição do instituto da compensação, que passou de faculdade do Poder Público (artigo 170, do CTN) para obrigação caso o particular desejar utilizá-la.

 

Por esse meio de adimplemento de obrigações, com aplicação restrita no entanto aos Estados, Distrito Federal e Município, permite-se a compensação do crédito de precatório, próprio ou de terceiros, livres de discussões administrativas ou judiciais, com débitos que o interessado tenha perante esses entes, de natureza tributária ou outra, inscritos na dívida ativa até 25/03/2015 e, da mesma forma, sem pendências de discussões administrativas ou judiciais (artigo 105 do ADCT).

 

Os Estados, Distrito Federal e Municípios com pagamentos de precatórios em atraso tiveram até o final de abril de 2018 para regulamentar a referida compensação em sua legislação, sob pena de o contribuinte estar autorizado a exercer a faculdade a que se referiu o caput do artigo citado, mesmo sem norma regulamentar.

 

No âmbito do Estado e do Município de São Paulo, embora com atraso, o instituto foi regulamentado. No Estado a internalização da norma constitucional ocorreu com a edição e publicação da Resolução nº12, de 02/05/2018, da Procuradoria Geral do Estado (PGE). De acordo com a norma, o procedimento se dá, em resumo, primeiro com a habilitação do crédito de precatório por decisão da PGE de requerimento do credor, formulado pelo sistema eletrônico da PGE pelo advogado que o representa no processo judicial onde o crédito teve origem e, depois, com a entrega dos documentos transmitidos no prazo de 90 dias ao órgão de execução da PGE.

 

Uma vez habilitado o crédito, a sua compensação com os débitos deverá ser requerida também por meio eletrônico no site próprio da Dívida Ativa do Estado, mediante preenchimento de formulário próprio e termo de aceite.

 

Ambos, crédito e débito, serão atualizados até a data do requerimento da compensação à PGE, conforme os critérios dispostos na Portaria. O interessado poderá impugnar a atualização tanto do valor do débito, quanto do crédito, contudo a discussão tornará prejudicada a compensação e deverá julgada no processo de origem do crédito ou na execução fiscal onde o débito é cobrado, a não ser que se trate de mero erro material ou de inexatidão do cálculo.

 

Já no âmbito do Município de São Paulo, a regulamentação ocorreu em julho passado, por meio da promulgação da Lei nº 16.953, de 12/07/2018. Apesar de a norma exigir a publicação de uma outra regulamentação pelo Poder Executivo que ainda não ocorreu apesar de vencido o prazo estabelecido de 60 dias, trata-se de uma regulamentação com mais detalhes em relação à estadual, quanto ao procedimento e exigências, além de impor limitações importantes à utilização da compensação. Entre as mais importantes, podemos citar a permissão de quitação até o limite de 92% do valor do débito com o Município, devendo os 8% restantes serem pagos em dinheiro; a vedação de quitação de débitos incluídos em programas de parcelamento, assim como dos garantidos por depósito judicial que, nesse caso, deverão ser convertidos em pagamento ao Município, restando autorizada a utilização da compensação para quitar somente o saldo remanescente.

 

Identificando-se com o procedimento estadual, o pedido de compensação deverá ser formulado através dos sistemas eletrônicos próprios e será decidido por uma comissão especial da PGE, com a participação de integrantes da Secretaria Municipal da Fazenda.

 

A compensação tal como agora autorizada pela Constituição assim promete ser um valioso instrumento para pagamento das dívidas, sobretudo as tributárias, e, principalmente, para o recebimento dos precatórios por quem há tanto tempo aguarda. Impactará não apenas àqueles que, ao mesmo tempo, detém dívidas e precatórios das Fazendas Públicas, mas, principalmente, quem apenas figura como credor, porque, sendo permitida a utilização de precatórios (créditos) de terceiros na compensação, o já existente mercado de venda e compra de precatórios se movimentará muito mais. Muitas das pessoas que apenas são credoras poderão vender seus precatórios mais facilmente, agora, sob um ambiente mais iluminado pelas novas disposições legais e, consequentemente, com um deságio menor ao que era praticado anteriormente, devido à quase inexistência de normas admitindo a compensação e a imprevisibilidade de recebimento.

 

Os devedores tributários, de outro lado, também se beneficiarão com o pagamento de seus débitos utilizando créditos de terceiros adquiridos em valor menor.

 

O interessado, seja ele apenas credor ou devedor ou ambos ao mesmo tempo, deverá estar atento a todos os detalhes legais para que o seu melhor interesse seja observado em negociações de compra ou venda de títulos, assim como no próprio procedimento de aprovação e efetivação da compensação que, como já pincelado anteriormente é complexo, recomendando-se, assim, sempre a assistência por advogado especialista.

 

 

 

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