Publicado no Migalhas

 

Solange Moreira de Carvalho e Jânia Aparecida P. dos Reis, especialistas em relações de trabalho do Cunha Ferraz Advogados

 

A paralisação de atividades não essenciais é uma das medidas adotadas pelo Governo para o enfretamento da pandemia. Por consequência, é possível que o empregador, em razão de acontecimento alheio à sua vontade, por motivo de força maior, tenha que rescindir o contrato de trabalho. 

 

A rescisão do contrato individual de trabalho, ainda em tempos de pandemia, continua sendo direito potestativo do empregador, vez que não há nenhuma Lei ou Decreto que proíba a rescisão, desde que efetue o pagamento de todas as verbas a que faz jus o empregado. 

 

Contudo, a rescisão fundamentada nos efeitos da pandemia e o não pagamento das verbas a que faz jus o empregado poderá gerar passivo trabalhista com discussão,inclusive,com relação ao direito à reintegração e indenização, além do pagamento das demais verbas de direito. 

 

E, nos casos em que o empregador não resistir, resultando em extinção da empresa ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, a rescisão do contrato de trabalho poderá ser realizada com o pagamento das verbas rescisórias de direito, sem o aviso prévio e com o pagamento de multa do FGTS em apenas 20%, conforme previsão dos artigos 501 e 502, II da CLT. 

 

Considerando que a força maior é tida como acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador e que este não concorreu para a sua realização, seja direta ou indiretamente, esta restará caracterizada.  Contudo, quando se verificar que a imprevidência do empregador, decorrente da má-administração, também concorreu para a extinção da empresa, discute-se a aplicação desses dispositivos. 

 

O fato do príncipe, em latim factumprincipis é uma espécie de força maior e está prevista no artigo 486 da CLT ao estabelecer que no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização que ficará a cargo do governo responsável.

 

Por primeiro, é preciso considerar que essa teoria é bem antiga e deve ser considerada como fato excepcional em que, o Poder Público, por ato arbitrário do poder supremo podia provocar a descontinuidade da atividade da empresa. O referido artigo 486 da CLT também é bem antigo, mais especificamente de 1943 e não obstante o tempo da sua previsão no ordenamento jurídico, a sua aplicabilidade nunca foi reconhecida pelo Judiciário Trabalhista, o que merece especial cautela na sua interpretação. 

 

Assim, para a configuração do fato do príncipe, o primeiro passo é identificar se a medida imposta pelas autoridades governamentais (seja no âmbito municipal, estadual ou federal) por si só torna impossível a continuação da atividade. 
                                 

Portanto, como dito inicialmente, se outras causas contribuírem para o encerramento das atividades, fica afastada a razão da força maior. 

O segundo ponto é identificar se há arbitrariedade do poder público. 

 

Destaca-se que, em tempos de pandemia causada pelo Covid-19, a determinação de paralisação das atividades pelos Estados e Municípios, adveio, em princípio, da Lei Federal 13.979 de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública pautadas nas orientações e recomendações da Organização Mundial da Saúde que estabeleceu como melhor forma para a contenção da propagação da doença o isolamento social. 

 

A considerar a proteção do bem maior, qual seja, a vida e a saúde, com cumprimento às recomendações dos órgãos da saúde nacionais e internacionais, as medidas determinadas pelos referidos órgãos dificilmente serão consideradas como arbitrárias. 

 

Por terceiro ponto existe a necessidade de se identificar que o poder público tenha, de qualquer modo, se beneficiado com as medidas tomadas e em tempos de pandemia causada pelo coronavírus, não se identifica essa situação de vantagem do poder público. 

 

Considerando, ainda que por hipótese, a possibilidade de aplicação desse dispositivo, ele não seria aplicado de imediato, e sim, após o empregado ingressar com ação judicial pleiteando o pagamento da rescisão, ocasião em que o empregador poderia invocar em sua defesa o preceito desse artigo, ou seja, do fato do príncipe. 

 

Assim ocorrendo, a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho será notificada para que, em 30 dias, possa justificar o seu ato. 

 

Ressalta-se que,ainda que o Judiciário reconheça a responsabilidade do Poder Público, essa se restringe apenas ao pagamento da indenização da multa sobre o FGTS e não ao pagamento de salários e demais verbas contratuais, como por exemplo férias proporcionais e vencidas, 13 salário e outros. 

 

Assim, por se tratar de hipótese excepcionalíssima e o reconhecimento do factumprincipis e consequente responsabilização do Poder Público depender do entendimento do Judiciário, ainda que possível, o ideal é que o empresário evite dispensar o empregado sem o pagamento da indenização com este fundamento porque só aumentaria o passivo trabalhista.