Thiago Soares, especialista da área cível do Cunha Ferraz Advogados. Artigo publicado no portal Migalhas

 

Os efeitos do distanciamento social como medida de enfrentamento da pandemia de Coronavírus começaram a ser sentidos na economia brasileira. Enquanto a população sofre com a alteração de sua rotina, os economistas revisam seus cálculos para tentar prever o que acontecerá com a economia nesse cenário.

 

Assim como nos mais diversos setores da economia, a pandemia da COVID-19 apresenta significativo e imediato impacto nos contratos de locação de imóveis em geral. O destaque que se faz é que esse distanciamento social acaba provocando o enfraquecimento da demanda por bens de consumo e de serviços em geral, setores importantes da economia nacional composto majoritariamente por micro e pequenos empresários e que são responsáveis por uma boa parcela dos empregos do país. Esse distanciamento, somado à edição de decretos governamentais que determinam a suspensão das atividades consideradas como não essenciais, acarreta a drástica redução no faturamento dessas pequenas empresas, motivado especialmente pela diminuição da circulação de pessoas nas ruas. O resultado disso é a dificuldade do empresário de cumprir com seus compromissos legais e contratuais.

 

Nesse cenário, a quebra em massa das micro e pequenas empresas e, como consequência, a extinção de inúmeros postos de trabalho, parece inevitável.

 

Tanto que os governos, nos âmbitos federal, estadual e municipal, se apressaram em apresentar diversas medidas de incentivo, como a injeção de dinheiro na economia, para tentar reduzir o impacto da pandemia no setor produtivo nacional.

 

Esse cenário de incertezas aliado às normas editadas pelos governos estaduais e municipais que afetam diretamente o funcionamento das atividades empresariais pode motivar as micro e pequenas empresas, estabelecidas em imóveis alugados, a requerer judicialmente a revisão, a suspensão ou rescisão de seus contratos de locação com fundamento na teoria da imprevisão, orientada pelo acontecimento de eventos de caso fortuito ou força maior.

 

Em regra, os contratos são firmados para serem cumpridos. Porém, contratos de trato sucessivo como os contratos de locação ficam subordinados, a todo tempo, ao mesmo estado de subsistência das coisas, isto é, dentro de uma situação previsível naquela relação jurídica e em um cenário de normalidade do mercado.

 

Situações imprevisíveis e extraordinárias, alheias ao controle de qualquer das partes contratantes, como a pandemia de COVID-19 pelo Coronavirus, podem ocorrer durante o período de vigência do contrato, de modo a acarretar o rompimento do sinalagma contratual inicialmente previsto, alterando o equilíbrio existente entre as partes e causar manifesta desproporção entre o valor das prestações devidas e o do momento de sua execução.

 

Em casos como o desta pandemia, que está provocando uma crise sem precedentes na economia mundial, é possível a revisão do contrato de locação comercial em razão de fortuito externo, visando reestabelecer o equilíbrio contratual, seja pela revisão do valor de suas prestações, seja pela suspensão de pagamentos por um período. 

 

Por óbvio, essa medida não poderá ser empregada indistintamente a todo e qualquer contrato de locação. Ao contrário - deve ser examinado com muita cautela, fazendo-se uma análise individualizada de cada contrato com base nas circunstâncias relevantes e à luz da legislação aplicável, dado que o impacto da pandemia para cada relação contratual específica terá um reflexo distinto. 

 

Aliás, essa pandemia afeta de tal maneira a manutenção das atividades empresariais que fez com que o Senado Federal propusesse no Projeto de Lei nº 1.179/2020, que visa estabelecer um Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) para tratar de vários assuntos de Direito Privado para o período excepcional de calamidade pública causada pela pandemia do Coronavírus (Covid-19),a proibição do deferimento de liminar de despejo nas hipóteses previstas nos incisos I, II, V, VII, VIII e IX do §1º do art. 59 da Lei do Inquilinato até o dia 30 de outubro de 2020, data em que se estima marco final provável do período excepcional causado pela pandemia. Isso porque, nas situações enumeradas na lei, a imposição do despejo é imediata e acarretaria maiores prejuízos aos empresários e empreendedores.

 

Obviamente, o projeto receberá críticas do ponto de vista do locador, de que essa proposição violaria o direito constitucional de propriedade por impedir, dentro de uma situação consolidada e prevista em lei, que o locador seja restituído na posse do imóvel.

 

A proposta, porém, vem em bom momento. Se aprovada, vai ao encontro de princípios como o da boa-fé, da função social do contrato e da função social da propriedade, especialmente em tempos de exceção, proporcionando um fôlego para as micro e pequenas empresas, permitindo o retorno destas às suas atividades e, de algum modo, concedendo mais uma chance para que elas cumpram com suas obrigações.

 

O aconselhável é que as partes, antes de decidirem judicializar a questão, tentem uma composição amigável que reflita o interesse de ambos, seja pela concessão de um desconto, seja pelo parcelamento do aluguel ou qualquer outro termo que seja razoável e não cause prejuízos a ninguém. Se a atividade empresarial teve perdas significativas por conta da suspensão de funcionamento, o recomendável é que o locador suspenda, por um período, o pagamento do aluguel. Nessas situações, o que deve nortear o acordo entre as partes é que extinção de vínculos contratuais deve ser evitada diante da função social do contrato prevista no art. 422 do Código Civil e do princípio constitucional da solidariedade social (CF, art. 3º, I). 

 

Caso as partes não cheguem a um consenso, a perspectiva é de que o Judiciário, ainda dentro de uma análise criteriosa da ocorrência cumulada dos elementos da teoria da imprevisão, acabe por privilegiar o inquilino e acolher a revisão do contrato.