Por Solange Moreira de Carvalho e Pedro Martins Motta. Artigo publicado no Monitor Mercantil
O advento das novas tecnologias e inovação dos meios de comunicação são os responsáveis por uma constante mudança no espaço social atual, estando presentes novas ferramentas de trabalho. Dentre inúmeras consequências resultantes da Covid-19, fica irrelevante negar o avanço e desenvolvimento da modalidade do teletrabalho, prevista no artigo 6º, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho, que se tornou uma nova forma de as empresas continuarem as suas atividades, alterando seu “modus operandi” e evitando a proliferação do vírus.
Importante ressaltar que mesmo antes do advento da Lei 13.467/2017, as prestações de serviços em locais externos ao ambiente do empregador já ocorriam. A possibilidade de obtenção de informações, realização de pesquisas e transferência de dados através da internet em tempo real, permitiu uma mudança significativa nas relações interpessoais e profissionais. A modalidade vem ganhando espaço e está em expansão mundial, sendo adotada por diversas empresas e empregadores.
É extremamente comum na sociedade atual, encontrar pessoas exercendo suas atividades profissionais em suas residências ou em qualquer outro lugar que considere adequado para a realização da atividade laboral. Os requisitos jurídicos para a caracterização de vínculo empregatício, presentes no caput do Artigo 3º da CLT, continuam os mesmos, quais sejam, pessoalidade, onerosidade, habitualidade e a subordinação, e estando presentes estes requisitos, a pessoa será considerada empregado, independentemente do local da prestação dos serviços.
O novo modelo de trabalho trouxe nítidas vantagens ao empregado, como a ausência de locomoção até o local de trabalho e maior participação no ambiente familiar. São pontos importantes para destacar que a regulamentação e as leis sofreram algumas alterações, tornando-se mais específicas para não só atender e equilibrar a carga horária, mas também em relação ao tempo despendido às atividades profissionais.
No entanto, a “superconexão” é causa de novos e determinados conflitos sociais, e dentre inúmeros, destaca-se a desconexão. O excesso de jornada é tido como um dos responsáveis por doenças ocupacionais no trabalhador, desenvolvendo principalmente transtornos mentais. A dificuldade para encontrar um tempo para o lazer e descanso vem sendo um obstáculo a ser enfrentado em relação à desassociação entre a atividade pessoal e a profissional.
O direito à desconexão do empregado é relevante no âmbito do Direito do Trabalho, tanto que há hipóteses de desconexão no artigo 7º, incisos XIII, XV, XVI, XVII da Constituição Federal de 1988, concluindo-se que se trata de uma “garantia constitucional”, relacionada aos direitos fundamentais do trabalhador como saúde, limitação de jornada e férias.
A preocupação com a desconexão é relevante, vez que com o aumento do número de aparelhos tecnológicos é possível que o trabalhador fique 24 horas por dia online. Logo, em determinadas ocasiões o trabalhador está sujeito a ficar à disposição do empregador, mesmo fora da sua jornada de trabalho, acarretando assim o prolongamento da atividade laboral desempenhada.
O resultado disso pode ser prejudicial tanto ao empregado, que pode desenvolver sérios problemas decorrentes do stress e da estafa mental, causados pela superconexão, quanto ao empregador, vez que com o tempo o empregado vai reduzindo a sua capacidade laborativa em razão do desenvolvimento de problemas físicos e mentais, o que pode gerar redução da qualidade do trabalho prestado pelo empregado, afastamentos e até mesmo um aumento do passivo trabalhista.
No atual contexto, o entendimento jurisprudencial, em sua maioria, já adota o critério favorável ao direito à desconexão.
A devida atenção e adoção do direito à desconexão no rol da modalidade de teletrabalho é o marco inicial para que as relações empregatícias sejam mais duradouras e não sejam mais consideradas responsáveis pelo surgimento de novos litígios no ambiente jurídico-brasileiro. O respeito a limitação de jornadas e a instalação de métodos de controle são procedimentos eficazes que garantem um equilíbrio na relação de trabalho e benefícios a ambos, vez que o teletrabalho não deve ser visto como vilão, que impede a desconexão, mas como um avanço para o país.
E foi pensando na manutenção de um ambiente de trabalho saudável, mesmo quando este não é prestado exclusivamente dentro da empresa, que a Lei 14.442, de 2 de setembro de 2022, inseriu o artigo 75-B à CLT, assegurando aos trabalhadores que prestam serviços em teletrabalho ou em regime híbrido, os mesmos direitos dos empregados que prestam serviços nas dependências da empresa, vez que excluiu o trabalho como externo, aquele que não permite o controle para que a jornada possa ser controlada pelo tempo de uso dos equipamentos tecnológicos e, consequentemente, assegurar o repouso legal pertencente ao empregado.
É certo que a ausência de tempo e conexão exacerbada podem sim estar atreladas ao volume e/ou às exigências da empresa/empregador, mas esse não pode ser visto como o principal e tampouco o único elemento. A organização pessoal, o controle de processos e procedimentos, e o foco no trabalho executado estão estritamente ligados ao sucesso ou não dessa nova realidade.
Importante estabelecer entre empresas e empregados um objetivo único de equilíbrio e empenho na busca da tão sonhada qualidade de vida. Daí o equilíbrio e o ajuste de condutas com orientações precisas de mudança de hábitos ser um item importante que deve ser valorizado. Não se trata de mudança cultural somente da empresa, mas também do empregado que deverá se empenhar em um maior controle organizacional.