Publicado no jornal O Estado de S. Paulo

 

Diante da inusitada situação epidêmica, nunca antes vivida por nossa sociedade e sem precedente recente na história mundial, é lógico e esperado que todas as relações de trabalhos sejam repensadas, como de fato já estão.

Tempos difíceis exigem decisões igualmente difíceis e dentre uma série de medidas, o governo federal editou a Medida Provisória 927, cuja passagem que previa a possibilidade de suspensão de contrato de trabalho por até quatro meses sem pagamento de salário, de tanta polêmica foi revogada pela imediata Medida Provisória 928, mantendo-se as demais.

 

A referida medida estabelece as seguintes possibilidades:

– teletrabalho;

– regime especial de compensação de horas em até dezoito meses após o fim da calamidade pública, em caso de eventual interrupção da jornada de trabalho durante este período;

– suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais;

– antecipação de férias individuais, ainda que não tenha completado o período aquisitivo, com aviso ao trabalhador com pelo menos 48 horas de antecedência;

– antecipação de férias coletivas;

– aproveitamento e antecipação de feriados;

– suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho e adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

– possibilidade de acordo individual entre empregado e empregador respeitados os limites estabelecidos na Constituição Federal.

 

Paralelo à medida provisória, o empregador deverá afastar o empregado suspeito de infecção ou que tem ou teve contato com pessoa infectada pelo Coronavírus. Observe-se que não se trata de simples direito do trabalhador, mas sim dever de o mesmo se afastar e do empregador em afastá-lo. Por sua vez, o mesmo ficará responsável pelo pagamento do salário nos primeiros 15 dias e a partir daí, ou seja, a partir do 16° dia (inclusive), a responsabilidade será da Previdência Social.

Para o afastamento de empregados não infectados, cuja situação, por força do decreto estadual de vários estados, está sendo experimentada pela maioria das empresas, o pagamento do salário, durante todo o período de afastamento, é do empregador.

Referido afastamento encontra previsão na Lei 13.979/20 que trata especificamente de interrupção do contrato de trabalho, em que o empregado é afastado e continua a receber salário.

 

Nessa hipótese, caso o afastamento for superior a 30 dias, o empregado perde o direito de férias proporcionais e o novo período aquisitivo se inicia após o fim deste afastamento, hipótese do artigo 133, III da CLT. Importa dizer que o direito aos salários permanece.

O mesmo ocorrerá com os empregados domésticos, contudo, em caso de infecção, desde o primeiro dia de afastamento o empregado deverá receber os valores diretamente do INSS.

Em caso de suspeita de infecção de prestador de serviços autônomo, o afastamento do trabalho demanda mera comunicação ao tomador de serviços.

Para os contratos de terceirizados o tomador de serviços deverá impedir o trabalho e comunicar imediatamente à empresa prestadora de serviços, responsável pelo prestador de serviços.

 

A omissão do empregado em comunicar a sua situação poderá gerar demissão por justa causa, além de implicações criminais por expor terceiros à situação de contágio. Por sua vez, caso seja o empregador que impeça o afastamento do trabalhador, ensejará a rescisão indireta do trabalho com as consequentes indenizações, além da responsabilização criminal.

Importante observar, que naquelas situações onde o governo estadual e/ou municipal não tiver instituído feriado, quarentena, ou isolamento, não poderá o empregado se recusar ao trabalho e se assim o fizer, ficará sujeito às penalidades previstas na CLT.

Dentre as medidas temos o teletrabalho vista como a primeira medida adotada pelos empregadores, antes mesmo da edição da MP 927 que dispensou o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, bastando a comunicação ao empregado com, no mínimo quarenta e oito horas. Hipótese que também se aplica aos estagiários e aprendizes, conforme MP 927.

 

A antecipação de férias coletivas e individuais também já vinha sendo aplicada por várias empresas.

A MP prevê que para a antecipação das férias bastará a comunicação com antecedência de no mínimo quarenta e oito horas e poderão ser concedidas pelo empregador ainda que o período aquisitivo relativo a elas não tenha transcorrido. No caso das férias coletivas fica dispensada a comunicação ao Ministério da Economia e aos sindicatos. Ainda, é possível negociar períodos futuros de férias mediante acordo individual escrito.

O pagamento das férias poderá se dar até o 5° dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias e o pagamento do 1/3 de férias poderá se dar após a concessão e até a data em que é devida a gratificação natalina, ou seja, 20/12. Ainda, estabelece que terão preferência na antecipação das férias os trabalhadores que estão no grupo de risco do coronavírus (covid-19).

A conversão de um terço das férias em abono pecuniário estará sujeita à concordância do empregador, também no prazo de quarenta e oito horas.

 

Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, antes do período aquisitivo das férias, o valor pago será descontado da rescisão e na hipótese de não pagamento do terço constitucional antes da rescisão, o valor será pago juntamente com os demais valores rescisórios.

Da mesma forma que a MP trouxe a previsão de antecipação das férias para as atividades consideradas não essenciais, convalidou a determinação que já vinha sendo adotada pela maioria dos governos estadual e municipal, de suspender as férias e licenças remuneradas dos profissionais da área da saúde.

A antecipação de feriados não religiosos também poderá ocorrer mediante a comunicação por escrito ou por meio eletrônico, com a antecedência de quarenta e oito horas, e poderão ser utilizados como compensação do saldo em banco de horas. Já a antecipação dos feriados religiosos é necessária a concordância expressa do empregado, em acordo individual escrito.

Durante o estado de calamidade, ainda é possível, a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição do regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação em até dezoito meses, após o encerramento do estado de calamidade pública.

A medida provisória prevê a suspensão da obrigatoriedade de realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares. Quanto ao exame demissional, se o exame ocupacional tiver sido realizado a menos de cento e oitenta dias 180 dias também poderá ser dispensado.

 

Igualmente importante, a Medida Provisória ainda suspendeu a exigência do recolhimento do FGTS pelos empregadores referente às competências de março, abril e maio, independente do número de empregados, regime de tributação, natureza jurídica, ramos de atividade econômica e adesão prévia, que poderá ser realizado de forma parcelada, sem a incidência de atualização, multa e encargos previstos na lei que regulamenta o FGTS, em até 6 parcelas mensais, com vencimento no sétimo dia de cada mês a partir de  julho de 2020, desde que declare as informações até o dia 20 de junho de 2020.

Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho durante a suspensão do depósito do FGTS, o empregador é obrigado a fazer o recolhimento dos valores correspondentes sem a incidência da multa e dos encargos.

A referida MP suspendeu a contagem do prazo prescricional dos débitos relativos à contribuição do FGTS pelo prazo de 120 dias, contados da entrada em vigor da Medida Provisória.

 

Considerando ainda, o estado de calamidade da saúde pública, e a excepcionalidade do caso, a MP ainda permite aos estabelecimentos de saúde, por meio de acordo individual escrito, mesmo para as atividades insalubres e para a jornada de trabalho de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, prorrogar a jornada de trabalho, adotar escalas suplementares, desde que respeitado o repouso semanal remunerado. Sendo que, também para esses profissionais, será possível a compensação das horas em até dezoito meses após o fim do estado de calamidade, por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra.

A Medida Provisória prevê que durante o período de 180 dias, os Auditores Fiscais do Trabalho, só autuarão as irregularidades graves, como a falta de registro em carteira, situações de grave e iminente risco, ocorrência de acidente de trabalho fatal e trabalho em condições análogas às de escravo ou trabalho infantil.

 

O artigo 36 da referida medida provisória prevê a convalidação das medidas trabalhistas adotadas por empregadores, no período dos trinta dias anteriores à data de entrada em vigor da Medida Provisória, desde que não contrariem o quanto previsto na MP.

Outras medidas de caráter extraordinário e temporário, considerando a situação de calamidade pública e sua gravidade, podem ser tomadas como meio de sobrevivência da empresa e manutenção do contrato de trabalho, como a suspensão do contrato de trabalho ou a redução do salário durante o afastamento, por meio de acordo ou convenção coletiva.

Entende-se como possível, também, o fracionamento do salário, por meio de acordo individual escrito, com fundamento no artigo 2° da Medida Provisória 927.

A implantação de um plano de demissão voluntária também pode ser uma alternativa para algumas empresas.

A situação de calamidade poderá ensejar o encerramento da empresa ou estabelecimento,nessa hipótese o empregador poderá rescindir o contrato de trabalho dos empregados, sem justa causa, sem o pagamento de aviso prévio e multa do FGTS de apenas 20%.

 

A conjuntura é absolutamente inusitada e por certo, uma nova realidade nas relações de trabalho deverá existir. A nossa recomendação é de que ao adotarem qualquer providência, façam com um mínimo de formalidade, pois mesmo sendo de caráter provisório, a tendência é de tudo que for exercitado nessa fase, seja objeto de enfrentamento pelo Judiciário que deverá abordar caso a caso, respeitando-se as especificidades de cada uma das situações.

*Solange Moreira de Carvalho e Jânia Aparecida P. dos Reis, especialistas em relações de trabalho do Cunha Ferraz Advogados