A indústria automobilística é um setor da economia tão importante e específico que na União Européia foi objeto de Regulamento da Distribuição de Veículos, o Regulamento (CE) nº 1400/2002 ( anteriormente já havia o Regulamento nº 1475/95) relativo à aplicação do parágrafo terceiro do artigo 81 do Tratado da União Européia a determinadas categorias de acordos verticais e práticas combinadas no setor de veículos a motor. O citado parágrafo terceiro do artigo 81, na verdade, isenta da aplicação do artigo 81.1 (esta norma proíbe todos os acordos entre empresas , as decisões de associações de empresas e as práticas combinadas que possam afetar o comércio entre os Estados membros e que tenham por objeto ou efeito impedir, restringir ou falsificar o jogo da concorrência dentro do mercado comum) os acordos entre empresas que contribuam para melhorar a produção ou distribuição dos produtos ou fomentar o progresso técnico ou econômico e reservem ao mesmo tempo aos usuários uma participação equitativa no benefício resultante sem que: a) imponham às empresas interessadas restrições que não sejam indispensáveis para alcançar tais objetivos; b) ofereçam a ditas empresas a possibilidade de eliminar a concorrência relativa a uma parte substancial dos produtos envolvidos. A doutrina européia qualifica esses Regulamentos como a “lei fundamental” ou a “constituição da distribuição de veículos”.

 

No Brasil, a distribuição de veículos automotores, de via terrestre, é regulada pela Lei nº 6.729/79, modificada pela Lei nº 8.132/90 e efetivar-se-á através de concessão comercial entre produtores e distribuidores, disciplinada por essa legislação e, no que não a contrariem, pelas convenções nela previstas e disposições contratuais. A concessão comercial consiste na revenda de produtos que o concessionário adquire do fabricante, por sua conta e risco, e os distribui com exclusividade numa determinada área, devendo, ainda, o concessionário prestar assistência técnica a esses produtos.

 

À semelhança da legislação européia anteriormente referida, no direito brasileiro, há quem entenda (Contrato de Distribuição – Editora Revista dos Tribunais - 2005 - Paula A. Forgioni) que a citada Lei nº 6.729/79 representa um exemplo de isenção em bloco para a prática restritiva da concorrência no sistema brasileiro. A Lei nº 6.729/79, por ser uma lei específica, excluiria do campo de incidência da Lei Antitruste uma prática restritiva da concorrência. Vale esclarecer que essa opinião da Paula A. Forgioni foi externada na vigência da Lei Antitruste revogada (Lei nº 8.884/94), mas se aplica, igualmente, pelos mesmos argumentos, a nova Lei Antitruste, a Lei nº 12.529, de 2011.

 

Pelo fato do Código Civil de 2002 ter adotado o nome de contrato de agência e distribuição para o contrato típico disciplinado pelos artigos 710 a 721, há autores que entendem que houve uma unificação do regime jurídico do contrato de representação comercial (denominado pelo Código de contrato de agência) com o contrato de concessão ou revenda comercial (que o Código agora denomina contrato de distribuição) (Arnaldo Rizzardo, Contratos, 2ª ed., Forense, 2001 e Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil; Contratos em Espécie, 2ª ed., Atlas, 2002).

 

Humberto Theodoro Júnior e Adriana Mandim Theodoro de Mello (“O Regime do Contrato (Típico) de Agência e Distribuição (Representação Comercial) no Novo Código Civil, em Cotejo com a Situação Jurídica do Contrato (Atípico) de Concessão Comercial. Indenizações Cabíveis na Extinção da Relação Contratual – Revista dos Tribunais nº 825), acertadamente, a nosso ver, não concordam com a posição adotada pelos referidos autores. Entendem que há diferença fundamental entre os mencionados contratos, na medida em que o contrato de agência “se desenvolve a partir da idéia de prestação de serviço (aproximando-se do mandato) e o contrato de concessão tem como peça fundamental a compra e venda em série (aproximando-se, portanto, do contrato de fornecimento). Concluem que os arts. 710 a 721 só tratam do contrato de agência e distribuição, sendo que a distribuição só ocorre quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada.

 

No mesmo sentido de Humberto Theodoro Júnior e Adriana Mandim Theodoro de Mello, é a opinião de Paula A. Forgioni, quando conclui, dizendo o seguinte: “A distribuição, no sentido que lhe empresta o Código, é uma espécie de agência; a distribuição comercial, de que tratamos neste trabalho ( igual a concessão comercial) permanece atípica” (Contrato de Distribuição – Editora Revista dos Tribunais – 2005).

 

Para evitar a confusão entre os conceitos de agência e distribuição ou concessão, como ocorreu com os doutrinadores mencionados no item 4 supra, o legislador do Código Civil de 2002 não deveria ter chamado de “distribuição” a espécie de contrato de agência, em que o agente tem à sua disposição a coisa a ser negociada. Como preceitua Antonio Junqueira de Azevedo (na qualidade de atualizador do livro “Contratos”, de Orlando Gomes, 26ª Edição, Editora Forense): “Deve-se observar, contudo, que a posse da coisa a ser negociada, em depósito ou consignação, não transforma a agência no contrato de distribuição propriamente dito.”

 

Em nosso entendimento, as opiniões mencionadas nos itens 5, 6 e 7 supra expressam a posição mais correta do alcance do artigo 710 do Código Civil. Assim sendo, o Código Civil não regulou o contrato de concessão que, para aplicação genérica, continua sendo atípico. Já o contrato de concessão comercial que regula a relação jurídica entre os concedentes (fabricantes de veículos automotores de via terrestre) e os concessionários é típico, pois continua regido pela Lei nº 6.729/79, alterada pela Lei nº 8.132/90.

 

A Lei nº 6.729/79 tem sido, também, objeto de discussão, no que diz respeito a sua aplicação extensiva a outros negócios que não os contratos de concessão ajustados entre os fabricantes de veículos automotores de via terrestre e os seus concessionários. Os já mencionados Humberto Theodoro Júnior e Adriana Mandim Theodoro de Mello, no trabalho citado, entendem que a Lei nº 6.729/79, como lei especial que é, disciplinando um segmento específico da economia, a distribuição de veículos automotores terrestres, não deve ser aplicada a toda e qualquer concessão comercial.

 

A Lei nº 6.729/79, igualmente, foi objeto de discussão, relativamente a sua aplicação aos contratos de concessão que tenham por objeto veículos importados. O Professor Miguel Reale defendeu a posição, em parecer não publicado, de que “Embora não conste expressamente da lei em apreço, sempre se entendeu que a ela se refere tão somente a produtores sediados no País, pela óbvia razão de não poder o Estado brasileiro baixar normas a produtores com estabelecimento fabril situado no estrangeiro”. Argumenta, ainda, que a Lei nº 6.729/79 é uma lei especial e não deve ter força de norma geral, para todas as espécies de comercialização de veículos automotores, inclusive para a comercialização de veículos importados. Apesar de considerarmos a posição do Professor Miguel Reale doutrinariamente a mais correta, não se pode ignorar as decisões do Judiciário que se manifestam favoráveis à aplicação da mencionada lei aos contratos de concessão de veículos automotores importados (Decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo – Ap. Cível nº 002521-4/7 e Ap. Cível nº 160771-4).

 

Confirmando essa tendência do Judiciário, o Tribunal de Justiça de São Paulo (Ap. Cível nº 1.105.504-0/1) decidiu pela aplicação análogica da Lei nº 6.729/79 aos contratos de concessão de veículos importados. Além da referida aplicação analógica da Lei nº 6.729/79, o acórdão tratou de outro aspecto importante do contrato de concessão comercial, que diz respeito à resilição unilateral (denúncia) do referido contrato, levando em conta, naturalmente, a referida lei. Como ensina Orlando Gomes: “ O poder de resilir é exercido mediante declaração de vontade da parte a quem o contrato não mais interessa” (“Contratos” – 26ª Edição – Editora Forense). O referido acórdão diz que “A denúncia imotivada é conceitualmente incompatível com a contratação por tempo certo.” O acórdão também diz que “Além disso, a denúncia imotivada é em especial proibida nos contratos de concessão para revenda de veículos automotores, segundo se depreende dos artigos 21 e 22 da Lei nº 6.729/79”. Em outras palavras, o Tribunal de Justiça de São Paulo entende que não é possível a previsão de denúncia unilateral num contrato de concessão comercial com prazo determinado.

 

De fato, mesmo na teoria geral do contrato, a denúncia unilateral só é cabível nos contratos por tempo indeterminado e não nos contratos por tempo determinado. Na decisão judicial ora sob análise, o contrato de concessão comercial objeto do litígio era por prazo determinado. Portanto, não há dúvida nesse sentido sobre a conclusão do acórdão.

 

O que merece ser discutido é a viabilidade da denúncia unilateral de um contrato de concessão comercial por prazo indeterminado, no contexto da Lei nº 6.729/79.

 

Os artigos 21 e 22 da Lei nº 6.729/79 estabelecem o seguinte:

 

“Art. 21. A concessão comercial entre produtor e distribuidor de veículos automotores será de prazo indeterminado e somente cessará nos termos desta Lei.

 

Parágrafo único. O contrato poderá ser inicialmente ajustado por prazo determinado, não inferior a cinco anos, e se tornará automaticamente de prazo indeterminado se nenhuma das partes manifestar à outra a intenção de não prorrogá-lo, antes de cento e oitenta dias do seu termo final e mediante notificação por escrito devidamente comprovada.

 

Art. 22. Dar-se-á a resolução do contrato:

 

I – por acordo entre as partes ou força maior;

 

II – pela expiração do prazo determinado, estabelecido no início da concessão, salvo se prorrogado nos termos do artigo 21, parágrafo único;

 

III – por iniciativa da parte inocente, em virtude de infração a dispositivo desta Lei, das convenções ou do próprio contrato, considerada infração também a cessação das atividades do contraente.

 

1º A resolução prevista neste artigo, inciso III, deverá ser precedida da aplicação de penalidades gradativas.

 

2º Em qualquer caso de resolução contratual, as partes disporão do prazo necessário à extinção das suas relações e das operações do concessionário, nunca inferior a cento e vinte dias, contados da data da resolução.”

 

Como se pode verificar dos dispositivos legais acima transcritos, não há previsão para a resilição unilateral do contrato de concessão comercial, podendo o mesmo, em princípio, somente ser resolvido por acordo das partes ou força maior, pela expiração do prazo determinado e por culpa de uma das partes. Como já comentamos, anteriormente, o contrato de concessão por prazo determinado, no caso da lei sob exame, não pode ser resilido unilateralmente ( denúncia). Contudo, conforme determina a lei, se o contrato for prorrogado após o prazo inicial de cinco anos, ele se torna automaticamente por prazo indeterminado. Nesse caso, entendemos ser possível a previsão de uma cláusula de resilição unilateral, mediante um aviso prévio razoável de cento e oitenta dias. Portanto, nos parece extremamente sustentável o entendimento acima exposto para atender um princípio da teoria geral do contrato ( a resilição unilateral do contrato por prazo indeterminado com aviso prévio razoável) e por não ser admissível a contratação perpétua.

 

 

 

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